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Parte 1

Engenharia de Sistema

A engenharia de sistemas é a arte e a ciência de desenvolver um sistema operável capaz de atender aos requisitos dentro de restrições estabelecidas. A engenharia de sistemas é uma disciplina holística e integrativa, em que as contribuições de engenheiros estruturais, engenheiros eléctricos, projectistas de mecanismos, engenheiros de energia, engenheiros de factores humanos e muitas outras disciplinas são avaliadas e equilibradas, uma contra a outra, para produzir um sistema coerente que não é dominado pela perspectiva de uma única disciplina[1]. Ela envolve o levantamento de necessidades, planeamento, desenvolvimento e análise de sistemas que transformem conceitos em produtos e serviços de elevada qualidade. Concentra-se na criação e gestão de estruturas de desenvolvimento de processos para responder às necessidades do mercado e impulsionar a competitividade das organizações.

A Figura 1 mostra um processo genérico de engenharia de sistemas. O processo passa por várias etapas onde as principais são:

  • Definir os requisitos e constrangimentos da missão;
  • Derivar os requisitos e constrangimentos do sistema;
  • Desenhar a carga útil e os subsistemas.

Cada etapa baseia-se em ferramentas de design e análise. É um processo interactivo em que entre cada etapa do processo, há ciclos que nos levam de volta para as decisões de revisão na etapa anterior, são esses:

  • Ciclo de requisitos: verificar se os requisitos derivados correspondem aos requisitos e restrições gerais da missão;
  • Ciclo do desenho: verificar se o desenho do subsistema atende aos requisitos e restrições da missão;
  • Ciclo de validação: verificar se o desenho geral do sistema atende aos requisitos e restrições da missão.


Fig. 1 – O processo de engenharia de sistemas

Definição de requisitos e constrangimentos da missão
O processo de engenharia de sistemas começa com a definição dos requisitos e constrangimentos da missão de nível superior, para tal, dá-se início ao desenvolvimento de uma declaração de missão que estabelece:

  • O objectivo da missão: determina o propósito da missão e quais serviços ou informações serão fornecidos aos usuários;
  • Os usuários da missão: quem se beneficiará do uso das informações;
  • O conceito de operações: como todos os elementos da missão irão interagir para satisfazer os requisitos da missão.

Outro aspecto importante da missão é definir as limitações da mesma. O satélite irá funcionar no espaço, onde o ambiente é totalmente adverso à atmosfera terrestre. Logo o desenho da missão deve estar em conformidade com uma variedade de constrangimentos económicos, técnicos e políticos que normalmente se enquadram em três categorias gerais: custo, cronograma e desempenho. A engenharia de sistemas deve trocar constantemente esses objectivos concorrentes para a obtenção de uma solução bem equilibrada.


Fig. 2 – Constrangimentos da missão

 

Definição de requisitos e constrangimentos do sistema

Conceitualmente, o satélite é dividido em duas partes funcionalmente diferentes – a Plataforma e a Carga útil. A carga útil consiste num conjunto de equipamentos que executam a missão, tais como sensores, repetidores e outros instrumentos. A plataforma é um conjunto de subsistemas projectados para garantir o bom funcionamento da carga útil.

Para se derivar os requisitos e constrangimentos do sistema é necessário:

  • Rever os constrangimentos da arquitectura da missão (veículo lançador, órbita, operação, etc.);
  • Definir o objecto da missão – natural ou artificial;
  • Definir os requisitos da carga útil;
  • Definir os requisitos orbitais;
  • Determinar o tamanho e a massa base do satélite;
  • Identificar o veículo lançador;
  • Definir os requisitos da rede de operação.

Desenho da Carga Útil e dos Subsistemas

Depois de extraídos totalmente os requisitos do sistema, e quando necessário, redefinidos os requisitos da missão, pode-se finalmente passar para a última fase do processo de engenharia de sistemas espaciais – o desenho dos subsistemas da plataforma e a carga útil.

A Carga Útil

Durante essa fase final do processo, são examinados com mais detalhes a carga útil para desenhar os componentes que possibilitam a interacção entre a carga útil e o objecto da missão. Entendendo a quantidade, tipo de sensores e/ou repetidores escolhidos e como eles trabalham juntos para formar a carga útil do satélite, determina-se como será projectado o restante do satélite para suportá-la. Os pontos a serem considerados são:

  • A zona de cobertura e a precisão do alinhamento do satélite;
  • Capacidade da carga útil;
  • Potência de consumo;
  • A faixa aceitável de temperaturas de operação;
  • Volume e massa da carga útil.

A plataforma deve ser capaz de satisfazer todos esses requisitos da carga útil.

A Plataforma do Satélite

A plataforma fornece todas as funções necessárias para o bom funcionamento da carga útil. A tabela abaixo ilustra os subsistemas essenciais da plataforma de um satélite.

Subsistema Principais Funções Outras Nomenclaturas dos Subsistemas
Subsistema de Propulsão Fornece impulso para ajustar a órbita e atitude, e para gerenciar o momento angular Sistema de Controlo de Reacção (RCS)
Subsistema de Determinação e Controle de Atitudes (ADCS) Fornece determinação e controlo da atitude e posição orbital, além de apontar para naves espaciais e apêndices. Sistema de Controlo de Atitude (ACS), Sistema de Orientação, Navegação e Controle (GN & C), Sistema de Controlo.
Subsistema de Comunicação (Comm) Comunica-se com a estacão terrena e outras naves espaciais; rastreamento de naves espaciais. Rastreamento, Telemetria e Comando (TT & C)
Subsistema de Manuseamento de Comandos e Dados (C&DH) Processa e distribui comandos; processa, armazena e formata dados. Sistema de Computadores Espaciais, Processador do Satélite
Subsistema Térmico Mantém o equipamento dentro das faixas de temperatura permitidas Sistema de Controlo Térmico
Subsistema da Alimentação Gera, armazena, regula e distribui energia eléctrica Sistema Eléctrica (EPS)
Estruturas e Mecanismos Fornece estrutura de suporte, adaptador de reforço e partes móveis Subsistema da Estrutura

Tabela 1 – Subsistemas da plataforma de um satélite

Processo de Desenho

O processo do desenho de um satélite é, por sua própria natureza, um processo interactivo. A Figura 3 mostra a interdependência envolvida com o desenho de todos os subsistemas. Observe que todos os subsistemas se unem em uma cadeia contínua. Os projectistas do satélite devem ter consciência dessa inter-relação entre os sistemas da carga útil e da plataforma. Durante o processo de desenho, mudanças aparentemente inocentes no subsistema eléctrico, por exemplo, podem ter efeitos profundos no desempenho de outros subsistemas.

Fig. 3 – Processo interactivo do desenho de um satélite.


Validação do Desenho

O “Ciclo de Validação” do processo de engenharia de sistemas, ilustrado na figura 3, nos obriga a comparar constantemente as decisões no desenho dos subsistemas com os requisitos originais da missão.

 
Fig. 4 – Ciclo de validação do processo de engenharia de um sistema espacial

Para desenhar/projectar um satélite, precisamos entender a missão, incluindo o tamanho e as características da carga útil, além de restrições significativas do sistema, órbita, tempo de vida útil e operações. Em seguida, define-se um veículo lançador para transportar o satélite que forneça as funções necessárias para o sucesso da missão.

Etapas de construção do satélite

O ciclo de vida dos projectos espaciais é tipicamente dividido em 7 fases, como segue:

  • Fase 0 – Análise de missão/identificação de necessidades;
  • Fase A – Viabilidade;
  • Fase B – Definição Preliminar;
  • Fase C – Definição Detalhada;
  • Fase D – Qualificação e Produção;
  • Fase E – Utilização;
  • Fase F – Descarte.

Um ciclo de vida típico do projecto é ilustrado na Figura 4. As fases do projecto estão intimamente ligadas às actividades no nível do sistema e do produto. Dependendo das circunstâncias específicas de um projecto e da aceitação do risco envolvido, as actividades podem se sobrepor às fases do projecto. Para o presente artigo, daremos mais enfâse a fase B, C e D.

Fig. 5 – Ciclo de vida típico de um projecto

Bibliografia

ECSS : European Corporation for Space Standardization. (2009). Space project management: Project planning and implementation. The Netherlands: ESA Requirements and Standards Division .Gael F. Sqibb, D. G. COST-EFFECTIVE SPACE MISSION OPERATIONS (2nd Edition ed.). (T. M.-H. Inc., Ed.)
Seller, J. J. (2004). Understanding Space: An Introduction to Astronautics (Revised 2nd Edition ed.). The McGraw-Hill Companies, Inc.
Wiley J. Larson, J. R. (1999). Space Mission Analysis and Design (3rd Edition ed.). E1 Segundo , California, USA: Microcosm Press .

Autor: Damião Malebo
Director Adjunto de Voo para as Operações
Mestre em Tecnologia de Informação e Sistemas de Comunicação, pela Universidade Estatal de Engenharia de Rádio de Ryazan, Rússia.
[1].  https://www.nasa.gov/seh/2-fundamentals