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O controlador/operador de voo do satélite é a posição no Centro de Controlo e Missão (MCC – do inglês Mission Control Center) que interage directamente com o satélite e a infra-estrutura terrestre durante a sua operação em tempo real, sendo responsáveis por implementar as acções previstas no plano de actividades diário, monitorar o desempenho do satélite, detectar anomalias no satélite e aplicar as acções de correcção ou mitigação, segundo os documentos de operação. Este artigo esclarece as principais dúvidas relativas ao modelo de treinamento e certificação de engenheiros para operarem um satélite de comunicação, tendo como base teórica a documentação contratual e a  observação do modelo actualmente implementado pelo Gabinete de Gestão do Programa Espacial Nacional (GGPEN) para a certificação dos operadores/controladores de voo do satélite Angosat-2. Deste estudo, resultou a identificação dos pontos fortes do modelo actual, nomeadamente a garantia da aquisição de conhecimentos sólidos e experiência para gerir a operação do satélite, de forma autónoma, capacidade para criação de documentação operacional e técnica em português. Igualmente, foi possível identificar um campo de melhoria deste modelo, baseado no estudo do modelo implementado pela NASA (no Bowie Satellite Operations and Control Center (BSOCC) Localizado no campus da Universidade Estadual de Bowie, onde têm treinado e certificado alunos em operações de voo por satélite em tempo real desde 1996.), relacionado com a associação de componentes de formação específica, ministrada em universidades nacionais com treinamento prático no MCC, que serviria como base do recrutamento e garantir-lhe-ão maior sustentabilidade e acréscimo de qualidade ao processo, respondendo desta forma a questão de estudo deste artigo.

Palavras-chaves: Controlador de Voo, satélite, MCC, GGPEN

Introdução

O centro de controlo e missão, também referenciado como Centro de Controlo de Voo ou Centro de Operações é a instalação de onde são controlados e monitorados os voos espaciais de satélites, geralmente desde a etapa de lançamento até ao fim da missão, estando inserido no segmento terrestre de operações do satélite. Há equipa de controladores de voo e outro pessoal de apoio monitoram todos os aspectos da missão com recurso a telemetria e enviam comandos para o satélite usando as estações terrestres.

A formação, treinamento e certificação da equipa de controladores de voo e especialistas para o MCC em Luanda (sito na comuna da Funda) foi um dos principais desafios do GGPEN, sendo que este artigo pretende apresentar o perfil requerido para esta função, as principais valências pessoais e académicas necessárias para quem pretende ser um controlador/operador de voo do satélite.

As principais bases para a elaboração deste estudo são de natureza interna, pois resultam do estudo dos requisitos, definidos no contrato, para o perfil dos operadores e o plano de certificação a ser implementado, bem como a  observação e reportes das formações que foram ministradas pelos construtores do satélite Angosat-1 e Angosat-2 (RSC ENERGIA, ISS RESHETNEV e AIRBUS DS), no processo de certificação dos operadores do satélite. Não obstante a esse factor, alguma literatura de apoio foi acedida nos sites da internet referenciados na bibliografia, com particular destaque para o manual BEST PRACTICES WORKING GROUP AIAA SPACE OPERATIONS AND SUPPORT TECHNICAL COMMITTEE (April 18, 2003) disponível em pdf (grátis), onde existe um capítulo de dicado ao treinamento e certificação do pessoal de operação. Sendo um manual bastante referenciado dentro da comunidade, a sua leitura é recomendada.

Importa referir que algumas formações, ministradas neste âmbito, não estão referenciadas no modelo de treinamento ilustrado no ponto subsequente, por se tratar de formações específicas ou complementares.

Modelo de Certificação do GGPEN 


O projecto ANGOSAT é resultado de um profundo estudo, feito pela Comissão Interministerial de Coordenação Geral do Projecto de Telecomunicações via Satélite de Apoio Multissectorial (CISAT), criada pelo Despacho Presidencial nº 21/06 de 21 de Junho, sobre a viabilidade da construção, lançamento e operação de um satélite angolano. O estudo, contou com o Consórcio russo, liderado pela empresa ROSOBONEXPORT, RSC Energia (construtora do satélite).

O modelo de treinamento e certificação, apresentado no ponto 2 do presente capítulo, resulta da parceria entre o GGPEN e os construtores do satélite Angosat (RSC ENERGIA, AIRBUS DS, ISS RESHETNEV). No entanto, a certificação constitui a fase final do processo, sendo precedida pelo recrutamento e selecção, igualmente fundamentais para o sucesso do modelo a ser empregue.

  1. Principais Critérios Para Recrutamento/Selecção
    1. Formação/Habilitações Literárias (técnico superior – mínimo licenciatura)
  • Produção de foguetes e aeronaves; 2) Tecnologia de aviação e foguetes; 3) Engenharia de radio comunicação; 4) Electrotecnia e Microelectrónica; 5) Matemática Aplicada; 6) Ciências da Computação; 7) Indústria Aeronáutica; 8) Sistema de Orientação e Navegação; 9) Sistemas de Tecnologia e informação 10) Automação e Controlo 11) Mecatrónica 12) Indústria e Sistemas Eléctricos 13) Mecânica; 14) Telecomunicações; 15) Geografia; 16) Física; 17) Aeronáutica; 18) Astrofísica e 19) Engenharia Aerospacial.  
  1. Competências e habilidades (Requisitos preferenciais para as candidaturas:)
  • Doutor/Mestre/Licenciado
  • Nacionalidade Angolana
  • Domínio da Língua Inglesa e Russo (factor adicional)
  • Qualidade de indivíduos como:
    • Disciplina e responsabilidade, capacidade de aprendizagem, habilidade de adaptação, tolerância ao stress, alto nível de concentração, capacidade de trabalhar em equipa, disponibilidade para trabalhar fora do país.
    • Possuir conhecimentos de outras ferramentas como CAD (AutoCAD, Solid Works).           
  1. Modelo de Treinamento e Certificação

Para entendermos os fundamentos de um modelo de treinamento e certificação de operadores de satélite, é importante a contribuição do especialista da NASA David Fuller (mais de 40 anos de experiência em operações espaciais, segurança e engenharia de sistemas e foi responsável pela secção sobre treinamento e certificação do manual BEST PRACTICES WORKING GROUP AIAA SPACE OPERATIONS AND SUPPORT TECHNICAL COMMITTEE April 18, 2003) que descreve os seus principais vectores:

  • Ensinar a equipa de controladores de voo do satélite a operar os sistemas do satélite e das infra-estruturas de comunicação terrestre;
  • Moldar hábitos, comportamentos e procedimentos de actuação da

Tendo em vista ser o foco deste artigo a análise do modelo actualmente implementado pelo GGPEN, foram enumeradas e detalhadas as diferentes etapas do treinamento e certificação. Há avaliação qualitativa foi feita com base no feedback dos formandos, na medida em que se enumerou os principais pontos fortes e fracos do modelo.

  • Fase 1. – Antes do Lançamento
    • Formação Teórica

– Understanding Space (curso ministrado pela Teaching Sciency and Technology, inc.);

– Arquitectura detalhada do satélite;

– Construção e operação do satélite;

– Software de operação;

– Revisão da documentação nas fases de construção do satélite (Ex.: Revisão Preliminar do Design, Revisão Critica do Design, etc.)

  • Fase 2. – Antes do Lançamento
    • Formação Prática

– Simulação de cenários;

– Testes de aceitação dos softwares de operação;

– Participação na montagem de equipamentos do segmento terrestre (Ex: antenas da banda-C/KU, amplificadores de sinais, etc.);

– Acompanhamento dos testes em terra do satélite.

  • Fase 3. – Após Lançamento
    • Formação Contínua

– Testes em órbita do satélite;

– Simulação de cenários;

– Formações de superação.

Há avaliação qualitativa do modelo de treinamento e certificação implemento permitiu aferir o seguinte:

  • Pontos positivos:
    • Formação com os especialistas construtores do satélite, inclusive em ambiente on the job training;
    • Período de formação de aproximadamente 3 anos;
    • Treinamento nas mesmas condições e ferramentas que serão usadas para operação. 
  • Pontos negativos:
    • Períodos de formação intermitentes;
    • Não existe documentação técnica em português. 

Discussão

Com base nas informações acima apresentadas, é possível compreender que o cronograma de treinamento e certificação, implementado pelo GGPEN, coincide com o cronograma de construção, teste e lançamento do satélite. Esta medida permitiu aos formandos participarem, activamente, nas fases de revisão do projecto, potenciando os conhecimentos adquiridos nas formações teóricas sobre o desenho do satélite. A avaliação positiva do modelo definido pelo GGPEN é fortemente influenciada por este factor. Todavia a sustentabilidade deste processo, levanta a principal questão de estudo deste artigo. Como o GGPEN vai lidar com a substituição dos operadores, ao longo dos 15 anos de operação do satélite?

A sustentabilidade deste processo passará necessariamente pela criação de uma base de recrutamento, dentro do país, capaz de satisfazer os requisitos necessários para a função e familiarizada com o funcionamento do MCC. Um modelo de treinamento e certificação, cuja base de recrutamento é centrada nas universidades técnicas de referência, permitir-lhe-á garantir a sustentabilidade. A referência para essa abordagem, surge do modelo implementado pela NASA no Centro de Operações e controlo de Satélite de Bowie (BSOCC) Localizado no campus da Universidade Estadual de Bowie, onde este modelo tem sido implementado desde 1996. Esse conceito exige que a universidade forneça os estudantes, enquanto a NASA disponibiliza o MCC e profissionais de operações de voo em tempo integral. O treinamento inclui sessões em sala de aula, experiência prática e estudo independente. Depois de cumprir uma longa lista de requisitos, os formandos passam por um teste escrito para cada certificação. Os alunos trabalham e treinam nas instalações entre as aulas e têm oportunidades para participar, em determinados momentos, na operação do satélite em tempo real.

É possível que, na prática, a implementação deste modelo exija adaptações de várias ordens e, certamente vai trazer a tona a necessidade da criação de documentação de estudo em português, para melhor disseminação no seio estudantil. No entanto, o mesmo assenta numa lógica de valorização das instituições de ensino, que se enquadra, perfeitamente com as directrizes actuais do país. 

Conclusão

O modelo actualmente implementado pelo GGPEN afigura-se como a melhor opção tendo em conta que permitiu a aquisição de conhecimentos sólidos aos seus quadros. Contudo, a transição para um modelo que seja sustentável, dentro da realidade do país, é o próximo desafio, mais precisamente, a criação de um modelo centrado nas universidades de referência no país.

Autor: 

Elcano dos Santos Gaspar

Licenciado em Tecnologias Militares e Aeronáutica pela Academia da Forca Aérea Portuguesa/Licenciado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. 

Especialista da Área de Análise de Subsistemas de satélites do Centro de Controlo e Missão de Satélites