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INTRODUÇÃO

As fronteiras de um país não são somente limites jurisdicionais, na medida em que têm um impacto significativo nas suas mais diversas áreas, desde económica, cultural, organizacional e militar, mas em primeira instância, as fronteiras representam a primeira barreira de protecção do país, reflectindo-se no sentimento de segurança para os seus cidadãos. Angola tem uma costa marítima que se estende em 1650 km de Norte a Sul e 4837 km de território fronteiriço. Como tão vasta extensão pode ser monitorada e gerida de forma eficiente e eficaz?

Em 2019, o relatório do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas sobre a Migração Internacional revelou um aumento no número global de refugiados e requerentes de asilo. O Norte de África e a Ásia Ocidental hospedam cerca de 46% do número global de refugiados e requerentes de asilo, seguido pela África Subsaariana (perto de 21%), ou seja, estas pessoas tentam desesperadamente alcançar a segurança e oportunidades em um país estrangeiro. Se percebermos que associado a este fenómeno surgem fenómenos como o contrabando de armas, drogas, pessoas, terrorismo e outros, teremos um entendimento claro sobre a importância da eficácia no monitoramento controlo das nossas fronteiras, e visto que Angola no contexto da África Subsaariana se afigura como uma das nações mais prósperas, percebemos que estamos propensos a esse tipo de invasões.

Este estudo foca-se apenas nas valências do uso da tecnologia espacial neste tipo de missões, em particular no emprego de satélites de comunicação, nomeadamente qual o impacto da tecnologia espacial na eficácia e eficiência do monitoramento e controlo das fronteiras terrestres e marítimas. O presente trabalho justificar-se-á não só pela pertinência da questão anteriormente referida à luz dos actuais conflitos no continente que causam esses movimentos migratórios massivos, mas sobretudo a luz do presente estado de arte da tecnologia espacial em Angola.

EMPREGO DE TECNOLOGIA ESPACIAL NO PROCESSO DE MONITORAMENTO DAS FRONTEIRAS

Vivemos na Era da Informação e os satélites constituem sem dúvida um dos seus máximos catalisadores. A superioridade de informação, quando transformada em conhecimento é sinónimo de poder e superioridade de decisão. Essa premissa é comprovada quando, por exemplo, analisamos o crescimento da largura de banda usada nos últimos grandes conflitos entre 1991 a 2003 (Operação Desert Storm 1991 – 100 Mbps; Operação Enduring Freedom 2001 – 2000 Mbps; Operação Iraque Freedom 2003 – 3000 Mbps). A largura de banda disponível por satélite aumentou de 100 megabits por segundo, para 3000 megabits por segundo. Os valores anteriores serão mais relevantes quando se considera que o efectivo de militares diminuiu 45 % entre as operações. Neste sentido, os valores traduzem a eficiência que a utilização das tecnologias espaciais trouxe para este tipo de operações.

A segurança fronteiriça tem uma forte dependência nas tecnologias de satélites que, dependendo da sua carga-útil e localização no espaço, oferecem um conjunto infinito de soluções para emprego no processo de monitoramento e controlo das fronteiras. A conceituada revista Via Satellite numa das suas publicações, trás uma abordagem clara sobre as valências do seu uso no monitoramento das fronteiras, dividindo-as por categorias, nomeadmente satélites de observação e satélites de comunicação.

  1. SATÉLITES DE OBSERVAÇÃO

A principal valência dos satélites de observação da terra é a visibilidade. Colocados geralmente na órbita terrestre baixa (LEO, do inglês Low Earth Orbit <2000 km), estes satélites fornecem imagens detalhadas dos potenciais pontos de travessias ilegais e contrabando, que são geralmente de difícil acesso, o que torna complicado o seu monitoramento usando as ferramentas tradicionais. Estas imagens quando partilhadas com as autoridades nacionais responsáveis pelo controlo fronteiriço e contrabando, auxiliam na identificação e combate deste tipo de práticas. Por exemplo, de acordo a mesma publicação da revista Via Satellite, a República da África do Sul usou imagens de satélite para rastrear actividades em postos de controlo da fronteira entre aquele país e o Zimbábue. As imagens mostram novas estradas e trilhas, veículos em massa, assentamentos temporários e até mesmo lugares onde cercas foram comprometidas por imigrantes que buscam acesso a um país mais estável e próspero. Com base neste exemplo facilmente se percebe a capacidade de tornar mais eficiente e eficaz o processo de monitoramento e controlo das fronteiras com recurso a esse tipo de satélites. Após mais de cinco décadas de desenvolvimento desta tecnologia espacial, dispomos de diferentes tipos de sensores ópticos e de microondas para os satélites de observação da terra, de modos a obter grandes conjuntos de dados, com alta precisão e alta resolução da atmosfera, dos oceanos e da terra. A frequência de aquisição destes dados varia de uma vez por mês a uma vez por minuto, a resolução espacial varia de escalas de quilómetro a centímetro e o espectro electromagnético cobre bandas de onda que variam de luz visível a microondas (detectar actividades que se reflectem no espectro electromagnético invisível, como por exemplo objectos ou pessoas dentro de edifícios, etc.).

  1. SATÉLITES DE COMUNICAÇÃO

O principal papel dos satélites de comunicação, nesta tipologia de operações militares é a conectividade. Colocados geralmente na órbita geoestacionária (GEO, do inglês Geostationary Orbit ≈36000 km), fornecem comunicações de dados, vídeo e voz com aeronaves de vigilância equipadas com câmara (tripuladas e não tripuladas), helicópteros, veículos terrestres e embarcações marítimas durante a execução da missão. Esta capacidade de conectar os diferentes elementos envolvidos no controlo da costa marítima e fronteiras terrestres quanto à imigração ilegal e exploração de recursos, possibilita que forças altamente dispersas compartilhem informações e imagens em tempo real, e operam como uma unidade singular.

Os veículos aéreos não tripulados (UAVs ou drones) revolucionaram diversas acções das operações militares, pelo que também estão muito presentes no patrulhamento de fronteira. Os UAVs são tripulados via satélite por operadores remotos, eles podem permanecer no ar por longos períodos de tempo e enviar vídeos do campo, estendendo de modo efectivo o alcance das forças de controlo da fronteira por milhares de quilómetros. Países com vastas extensões fronteiriças marítimas e terrestres, tal como Austrália, Estados Unidos da América e não só, tem recorrido aos drones aliados a tecnologia dos satélites para tornarem o combate a imigração ilegal, tráfico de drogas e outros males mais eficaz e eficiente. As comunicações via satélite são particularmente relevantes pois possibilitam a integração total das redes terrestres e dá suporte às plataformas furtivas tais como UAV, pelo que serão uma adequada alternativa às comunicações terrestres, com a vantagem de superarem as limitações de operação dos drones a longas distâncias.

SATÉLITE DE COMUNICAÇÃO PARA INTEGRAÇÃO DOS ELEMENTOS DO SISTEMA DE PATRULHAMENTO TERRESTRE E MARÍTIMO DAS FRONTEIRAS NACIONAIS

De acordo com o especialista em aplicação de satélites de comunicação para defesa e mobilidade Koen Willems, a implementação de um sistema de segurança fronteiriça eficaz vem com um conjunto de desafios relacionados com a geografia e economia do país, e ainda com as principais ameaças existentes nas fronteiras, bem como as políticas implementadas no país para lidar com essas mesmas ameaças. Superar esses desafios e criar uma política eficaz de segurança fronteiriça só será possível se vincularmos processos, tecnologias e estruturas organizacionais por meio de um programa integrado com todas as entidades envolvidas na segurança da fronteira, nomeadamente Forças Armadas, Serviços de Migração e Estrangeiros, Polícia de Guarda Fronteiras de Angola, Alfândega e Segurança Nacional. Neste sentido, ter acesso a uma base de dados comum e actualizada em intervalos regulares em cada ponto de intervenção é um recurso chave para um sistema de segurança das fronteiras modernas, sendo que nesta equação o satélite sempre será uma parte fundamental da estratégia.

Na implementação de uma plataforma de comunicação por satélite para um sistema de segurança de fronteiras, é preciso criar condições para satisfazer as necessidades de uma grande variedade de serviços e aplicações, tais como troca de dados de vigilância, acesso à internet, comunicações em movimento, videoconferência, informação biométrica e aplicações de escritório para fins administrativos e logísticos. A combinação destes serviços e aplicações irá melhorar a eficiência das operações de segurança nas fronteiras. A plataforma de satélite precisa abraçar a complexidade que acompanha as operações de segurança de fronteiras, tais como mobilidade, disponibilidade de serviços e cobertura nacional e regional, mas também precisa de ser capaz de maximizar a eficiência e tirar o máximo partido do rendimento, e respeitar os orçamentos governamentais destinados a defesa.

Para responder à estes desafios e complexidades de operações de segurança nas fronteiras, o emprego de um satélite de comunicação (como é o caso do ANGOSAT-2), é justificada por duas características fundamentais, nomeadamente, permitiria a escalabidade da rede terrestre e abrangência (cobertura nacional e regional), permitiria às agências de segurança fronteiriça construir e expandir as suas infraestruturas de acordo com as operações em pauta e cooperar com as entidades dos países com os quais fizemos fronteiras, dentro da região da SADC, em matéria de partilha de dados e infraestruturas de comunicação.

A rede de segurança fronteiriça poderá ser implantada na banda C ou Ku. O satélite ANGOSAT-2 vai utilizar tecnologia moderna, High Throughput Satellite (HTS), que oferece uma grande largura de banda através de técnicas de maior eficiência na modulação e codificação do sinal e técnicas de reutilização de frequência para melhor gerenciamento do espectro. A partir de um núcleo central (Gateway), poderemos verificar o princípio de escalabilidade (gradualismo) do projecto, interligando diferentes pontos e mais largura de banda será alocada consoante o crescimento das infraestruturas de controlo fronteiriço e atendendo aos mais variados tipos de tráfego (voz, vídeo, dados, etc.). O ANGOSAT-2 trará consigo uma oportunidade única ao País (e aos restantes países da SADC) para implementar um programa moderno e eficiente de segurança fronteiriça, dentro de orçamentos governamentais apertados, em detrimento de implantar uma rede terrestre ou mesmo o aluguer de serviços de satélite fora da região, que tornariam os custos do projecto demasiado elevados para a conjuntura económica actual.

Deste estudo resultou a proposta de um possível conceito de operação para o monitoramento e controlo das fronteiras usando o satélite ANGOSAT-2, cujo papel fundamental é interligar os vários elementos, provendo comunicação de voz, dados e vídeo com postos fronteiriços, aviões, helicópteros, veículos terrestres de patrulhamento, navios de patrulhamento marítimo em tempo real. Dependendo da aplicação em causa, diferentes técnicas de múltiplo acesso podem ser usados (ver exemplo na figura) para alcançar a largura de banda necessária.

Ainda prevê o acesso, em tempo real, a uma base de dados nacional ou regional com a identificação de quem pelas nossas fronteiras tenta aceder ao país.

CONCLUSÃO

As plataformas tecnológicas têm transformado os padrões militares e estão na base da revolução no emprego de forças, fomentando a emersão de novos conceitos operacionais, materializados no seio da Era da Informação. A tecnologia espacial é perspectivada como a inovação que permite a integração de sistemas, fomenta a eficácia e eficiência de recursos, bem como, a recolha e partilha de informação, conducente à consciência situacional ou dissipação do “nevoeiro” sobre o teatro de operações, mas também poderá ser perspectivada como fonte de poder, pois a sua influência alastra-se para além das operações militares, incluindo os sectores económicos e políticos do Estado. No seio das valências no emprego de um satélite de comunicação nacional, salienta-se as questões de autonomia, face a terceiros para proteger os seus bens, para transmitir, receber e tratar dados, incluindo informações que poderão ser estratégicas para o Estado. Como se constatou ao longo deste artigo, a tecnologia espacial é relevante para o poder de um Estado e afecta áreas sensíveis do ponto de vista estratégico, não só no seio das operações militares, mas também, por exemplo, na vigilância de espaços de interesse nacional (essencialmente as fronteiras). Todavia, o estudo deste tema não se esgota neste artigo, pelo que acreditamos ser importante que no futuro surjam estudos mais detalhado no contexto universitário militar, que certamente elevaria o nível do estudo realizado e levaria esta temática aos elementos com poder de decisão nesta matéria.

O lançamento e operacionalização do satélite ANGOSAT-2 criará uma atmosfera favorável para diversos sectores do país modernizarem-se e tornarem cada vez mais eficientes os seus processos e campos de actuação.

Bibliografia

Santos, C., 2012. Emprego do Poder Militar na Atualidade e Cultura Organizacional das Instituições Militares – Reflexões, s.l.: Simpósio de Excelencia em Gestão e Tecnologia.

Hays, P., 2011. George C. Marshall Institute. [Online] Disponível em: http://www.marshall.org/pdf/materials/969.pdf [Consult. 22 janeiro 2013].

Autor
Elcano E. dos Santos Gaspar
Licenciado em Tecnologias Militares e Aeronáutica pela Academia da Forca Aérea Portuguesa / Licenciado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL)
Especialista da Área de Análise de Subsistemas de satélites do Centro de Controlo e Missão de Satélites

Co-Autor
Jony dos Santos
Mestre em Tecnologias e Sistemas de Telecomunicações pela Universidade Técnica de Comunicações e Informática de Moscovo
Especialista da Área do Canal de Serviço do Centro de Controlo e Missão de Satélites